Prometeu, tem que cumprir!
terça-feira, 19/11/2013 18:08Exemplo de rigor com a coisa pública vem do Equador
Leia, a seguir, a íntegra do texto do jornalista Achille Lollo:
“A Revolução Cidadã contra a Chevron
Finalmente, no dia 13 de novembro, a Corte Nacional de Justiça do Equador (CNJ) finalizou o processo que há 20 anos as populações da Amazônia equatoriana moveram contra a transnacional Texaco, que desde 1992 se juntou à Chevron. Trata-se da quarta sentença negativa que a Chevron somou nos últimos oito anos, durante os quais seus 100 advogados fizeram de tudo para evitar o pagamento de uma multa de 19 bilhões de dólares.
Em 1993, a transnacional Texaco Petroleum Company (hoje Chevron) concluiu o contrato que havia assinado, em 1964, com o governo equatoriano para fazer, em quase 2 milhões e meio de hectares de selva amazônica, 357 poços de pesquisa petrolífera, erguer 22 estações para o bombeamento do petróleo dos poços declarados produtivos, construir um oleoduto de 500 km (trans-equatoriano) e limpar as áreas onde fossem atirados os resíduos tóxicos, as águas poluídas e as fossas com a lama petrolífera degradada. Normas que o governo equatoriano criou em 1976 com a lei “Prevenção e monitoramento da poluição ambiental”.
Entretanto, com a saída do Equador da transnacional, os técnicos da companhia estatal Petroequador constataram inúmeros crimes e ilegalidades. As normas da lei pela prevenção e o monitoramento da poluição ambiental nunca foram levadas em consideração pela Texaco Petroleum Company; as denúncias sobre o desastre ambiental no Equador que John Kimerling registrou no seu livro Amazon Crude (Petróleo Amazônico, em tradução livre) eram reais; as acusações de genocídio pelo desaparecimento das comunidades indígenas Tetetés e Sansahuari, feitas pela organização Acion Ecológica, eram verdadeiras, tanto que em junho de 1991 militantes dessa organização ocuparam os escritórios da Texaco na capital, Quito, para dar a conhecer ao mundo o que a Texaco havia feito na Amazônia.
Finalmente, em 1993, com o início em Nova Iorque da ação jurídica encabeçada pelos advogados Steven Donzinger e Cristobal Bonifaz, representando 30 mil indígenas das comunidades Cofán, Siona, Secoya, Kichwa e Huaorani, originárias das províncias de Sicumbios, Orellana e Pastaza, foi possível definir que, no lugar de reciclar 650 mil barris de resíduos petrolíferos (petróleo não comerciável), os técnicos da Texaco simplesmente os esconderam em fossas ampliando ainda mais a poluição, no momento em que os elementos tóxicos dos resíduos se espalharam nas inúmeras as percursos hídricas das regiões em questão intoxicando definitivamente o biossistema amazônico.
Foram atirados nos rios e riachos amazônicos cerca de 80 bilhões de dejetos petroquímicos juntamente com produtos químicos utilizados na lavagem das perfurações entre os quais o temível cromo hexavalente, um composto químico altamente cancerígeno.
De 1970 até 1992, a Texaco retirou “diária e gratuitamente” dos rios cerca de 200 mil litros de água para as operações de perfuração, com o objetivo de alimentar os sistemas de resfriamento e para o consumo dos trabalhadores. Por isso, 60 bilhões de litros de água, completamente poluídos, foram despejados nos rios, nas lagoas ou diretamente nos terrenos aos redores dos poços e das estações sem o devido tratamento. O uso massivo da dinamite ao longo dos rios provocou a morte de mais de 30 milhões de peixes e o desaparecimento deles de muitos rios retirando, assim, o principal alimento para as populações ribeirinhas amazônicas.
O excesso de poluição – sobretudo na região do Bloco 13 – foi uma conseqüência da tecnologia obsoleta que a Texaco havia transferido dos Estados Unidos para o Equador. A partir de 1960, o governo dos EUA fez uma série de rígidas leis que proibiam o uso de certos tipos de estruturas tecnológicas para perfurar os poços por causa de danos que as mesmas provocavam no ambiente e nas pessoas.
Houve o uso discriminante de um contrato de trabalho – exclusivo da Texaco – que não remunerava os trabalhadores equatorianos da mesma maneira que os estadunidenses e que recrutava forçadamente trabalhadores indígenas para “serviços agregados” dando- lhes, apenas, comida e alojamento como salário. Durante a construção do oleoduto (500 km.) os técnicos da Texaco provocaram o desaparecimento físico das comunidades indígenas nômades Tetetés e Sansahuari.
Em 1987 um tremor de terra destruiu 40 km do oleoduto Trans-equatoriano que a Texaco havia construído para escoar o petróleo do Leste do Equador até a costa oeste, na região de Balao, onde o governo equatoriano havia construído a refi naria Esmeraldes. Ao analisar os destroços do oleoduto os técnicos da Corporacion Estatal Petrolera Ecuatoriana (CEPE) descobriram os erros da estrutura aerodinâmica do oleoduto, bem como as falhas na construção do mesmo porque os engenheiros da Texaco tinham recebido a ordem da matriz de “poupar”. Por isso, além de produtos ordinários (cimento de péssima qualidade) foi usado muito material defeituoso (vigas de ferro no lugar de aço, por exemplo) que não resistiram ao tremor da terra.
Um contexto que evidenciou como os engenheiros da Texaco haviam enganado as perícias do governo equatoriano, também em função do grande nível de corrupção. Finalmente, em 1994, foi constituída, em Quito, a Frente para a Defesa da Amazônia com o objetivo de organizar, defender e assistir juridicamente as populações indígenas e os camponesas que sofreram abuso da Texaco. E foi graças a essa organização e a perseverança do advogado Pablo Fajardo que o processo contra a Chevron-Texaco continuou até chegar a uma conclusão diante da Corte Nacional de Justiça do Equador.
Longa luta
Depois de ter conseguido, em 1994, que os tribunais dos Estados Unidos aceitassem que a Texaco fosse julgada nos EUA pelos crimes cometidos no Equador e ter alcançado algumas sentenças favoráveis que obrigavam a transnacional a fazer trabalhos que reparassem os danos provocados, os advogados da Frente para a Defesa da Amazônia denunciaram o falso procedimento da Texaco que, na realidade, nada fez em termos de despoluição das aérea afetadas. Porém, quando os peritos nomeados pelos tribunais estadunidenses apresentaram novas provas que condenavam a transnacional, interveio a fusão da Texaco-Chevron.
A nova diretoria aproveitou-se disso para pedir, em 2002, ao juiz da Corte de Apelação de Nova Iorque, que todo o procedimento da Texaco fosse julgado no Equador, tendo em vista que essa companhia não existia mais nos EUA. Em resposta, o juiz – mesmo contrariando a regra geral das fusões empresariais que considera legítima a associação de lucros, propriedades, projetos, perdas e pendências jurídica da empresa que se associa a outra – determinou que o processo contra a Chevron- Texaco deveria ser transferido aos tribunais do Equador cuja sentença seria considerada executiva também nos EUA e que não teria prescrição mesmo se o alongamento do processo jurídico ocupasse mais tempo que nos EUA.
A partir desse momento a Chevron- Texaco que, depois se transformaria na transnacional Chevron, começou a fazer de tudo para extraviar o processo, inclusive tentando de corromper peritos e juízes. Quando isso não deu certo, passou a veicular na imprensa a absurda tese de que seriam os indígenas que teriam corrompido os juízes da Corte Nacional de Justiça do Equador comportando- se como os mafiosos estadunidenses. É claro que esse comportamento não ajudou a transnacional, que em 14 de fevereiro de 2011 foi condenada a pagar uma multa de 9,5 bilhões de dólares por danos ambientais, além de pedir “desculpas” às populações indígenas. Se recusa-se a pedir desculpas, a multa seria dobrada.
Essa multa, que representa um recorde mundial, foi definida pelos juízes após terem avaliado e analisado os trabalhos dos peritos. Eles entenderam que 600 milhões de dólares deviam ser utilizados para mitigar os impactos ao fluxo de águas subterrâneas e a todo o sistema hidríco em geral. O montante de 5,396 bilhões de dólares deviam ser gastos para limpar e reconstituir os terrenos poluídos; 200 milhões de dólares deviam ser investidos na recuperação da fl ora e da fauna; 150 milhões deviam ser usados para reconstruir as tubulações de água potável; 1,4 bilhão para reparar os danos considerados irreversíveis (doenças cancerígenas nas pessoas); 100 milhões para reparar os danos culturais; 800 milhões para sustentar um fundo de saúde pública para as populações das regiões afetadas; e 860 milhões de dólares em favor da Frente de Defesa Amazônica.
“Luta até o fim”
No dia 12 de novembro, a Corte Nacional de Justiça do Equador, ao ratificar a sentença, manteve a multa de 9,511 bilhões de dólares necessária para a reconstrução do ecossistema amazônico atingido com a poluição da Texaco e retirou dela mais 10 bilhões que haviam sido infligidos por não pedir desculpa às vítimas.
Antes dessa sentença, o ministro das Relações Exteriores do Equador e militante ativo da Revolução Cidadã, Ricardo Patiño, rememorou alguns passagens da luta. “Nossos povos indígenas tiveram a coragem e a firmeza de enfrentar durante 26 anos uma transnacional que tem lucros três vezes maiores que o PIB do Equador e ganharam, obrigando a Chevron – que em 2001 comprou a Texaco – a pagar o que foi destruído. Visto que nos Estados Unidos, na Europa e até nos países árabes, a Texaco não trabalhava com uma tecnologia tão obsoleta como a que utilizou no Equador. Nesses países ela respeitou as leis.
No Equador, deu atender que estava respeitando, mas na realidade escondiam os resíduos e corrompiam os fiscais para não ser denunciada. Não quiseram esperar o julgamento de apelação da Corte Nacional de Justiça do Equador e foram recorrer a arbitragem da Corte Internacional de Haia que, por sua vez cometeu erros inadmissíveis, mas evidentes por quem pretende estar do lado das grandes empresas. Mesmo assim, o erro foi claro porque o tratado entre Equador e Estados Unidos a quem eles se referem não tem efeito retroativo.
A questão é que o resultado desse processo abre novas perspectivas por tantos outros processos em cursos no Brasil, na Argentina e até no Canadá contra o drama da poluição por efeitos da exploração petrolífera ou das grandes empresas mineradoras. Por isso nos precisamos da solidariedade dos povos para continuar essa luta até o fim.”
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV “Quadrante Informativo”.
Fonte: site Brasil de Fato