PARA REFLEXÃO
terça-feira, 18/05/2010 21:40Processo eletrônico pode deixar metade dos servidores sem função
Quando ingressou na Justiça paulista, em maio de 1978, o servidor José Fernando Blotta ganhou do seu chefe uma caixa de papel carbono, agulha, linha e uma sovela, instrumento cortante e pontiagudo utilizado para furar processos. O então escrevente fazia manualmente a autuação das ações.
Hoje, 32 anos depois, Blotta não sente saudades daquele tempo. O diretor do cartório único do primeiro fórum digital do país, instalado em 2007 na Freguesia do Ó, em São Paulo, vive hoje na era do processo eletrônico. Uma nova realidade que pode deixar pelo menos metade dos 300 mil funcionários do Judiciário sem ter o que fazer.
“Uma vara eletrônica pode manter o mesmo nível de eficiência com metade dos servidores. Precisamos criar cargos. Daqui a pouco vai sobrar funcionário“, diz o ex-secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 10ª Região, Rubens Curado
Preocupados, os trabalhadores começam a se mobilizar, tentando encontrar saídas para readequar as carreiras do Judiciário à era digital. Hoje, pelo menos metade dos servidores do país continua com rotinas burocráticas – furando, carimbando, numerando processos a mão e carregando pilhas e mais pilhas de papel com carrinhos de ferro. Mas a informatização avança em todos os Estados. E, de acordo com o conselheiro Walter Nunes, do CNJ, a meta é ter até o fim do ano 65% dos processos em formato eletrônico.
Diante da nova realidade, os oficiais de justiça, mesmo prometendo lutar para manter a intimação pessoal, decidiram negociar a inclusão de uma nova tarefa para a categoria no projeto do novo Código de Processo Civil (CPC), que será encaminhado no próximo mês ao Congresso Nacional.
Eles querem ficar responsáveis pela penhora eletrônica – de dinheiro, carro e imóvel. “Por falta de tempo, os juízes têm delegado essa função a auxiliares. Mas cabe somente aos oficiais de justiça efetuar os atos de constrição processual“, diz Joaquim José Teixeira Castrillon, presidente da Federação Nacional das Associações de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais (Fenassojaf). “Não queremos ficar para trás. É necessário que a carreira evolua juntamente com os meios tecnológicos.”
Na Freguesia do Ó, o Foro Regional XII – Nossa Senhora do Ó trabalha com um número reduzido de funcionários. Há um ofício judicial único para as três varas de família e quatro varas cíveis, com apenas 16 funcionários. Pouco mais do que o cartório de uma vara normal absorve. “Em um cartório tradicional, que atende a uma só vara, há aproximadamente 15 funcionários“, diz José Fernando Blotta. “Aqui, no entanto, o ideal seria termos um número maior de servidores. Cinco por vara.”
Com a demanda menor por funcionários nos cartórios, uma das saídas, segundo Curado, seria deslocar parte deles para o gabinete dos juízes. “Com o processo eletrônico, os juízes ficam mais sobrecarregados, uma vez que os processos são distribuídos rapidamente. Eles precisarão de auxílio direto. Mas vai ser preciso capacitar servidores para isso”, diz o magistrado.
Preocupado com a mudança, o CNJ aprovou no início de abril a criação do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Poder Judiciário (CEAjud). O centro será coordenado pelo CNJ e vai promover, em conjunto com os tribunais, treinamentos, cursos, seminários e outras ações relacionadas ao aperfeiçoamento dos trabalhadores. O CEAJud dará preferência à realização das atividades por meio do ensino à distância.
O conselho instituiu também o “Programa Integrar” como uma das ferramentas de atuação do centro. O programa foi desenvolvido pelo CNJ para auxiliar na modernização e organização dos tribunais. É formado por uma equipe multidisciplinar, composta por magistrados e servidores, com experiência nas áreas de infraestrutura e tecnologia da informação, gestão de pessoas, processos de trabalho e gestão da informação e comunicação.
Hoje, a qualificação dos servidores é um dos principais itens da pauta do movimento sindical. “Tribunais estão preocupados com a digitalização dos processos, mas estão se esquecendo de qualificar os funcionários“, diz Josafá Ramos, diretor da Federação Nacional dos Servidores do Judiciário (Fenajud), que já prevê o fim de novas contratações por meio de concursos públicos. Para ele, os servidores do Judiciário estão sendo desvalorizados e há um descompasso entre o ingresso na era virtual e as condições precárias de trabalho. “Os servidores recebem computadores para trabalhar, mas estão sentados em cadeiras caindo aos pedaços.”
Um fórum sem armários e com poucos funcionários
Na sala do juiz Luiz Roberto Simões Dias, da 1ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional XII – Nossa Senhora do Ó, na Freguesia do Ó, em São Paulo, não há armários. Os processos em papel deram lugar a dois computadores de mesa. Um para ler os processos. O outro para digitar suas decisões. Para levar trabalho para casa, o magistrado usa um laptop. Foi-se o tempo em que carregava o porta-mala do carro com pilhas e pilhas de papel. “Não quero mais trabalhar com papel“, diz o juiz.
O magistrado mudou sua rotina em 2008, quando saiu do Fórum Criminal da Barra Funda para assumir uma vaga no primeiro fórum digital do país. “A diferença é brutal“, afirma Simões Dias. Portador de rinite crônica, o magistrado lembra sem saudades dos tempos em que manuseava os processos em papel e não raramente encontrava baratas no meio deles. “Levava processo com barata para casa. Era uma coisa anti-higiênica.”
No fórum digital, instalado em 2007, há ainda a possibilidade de advogados apresentarem petições em papel. Mas rapidamente as folhas são transformadas em imagem e chegam às telas dos juízes das sete varas – três de família e quatro cíveis -, todas já sobrecarregadas. O papel recolhido é enviado para reciclagem. Aproximadamente uma tonelada por mês. “O processo eletrônico é parte da solução dos problemas do Judiciário“, diz Simões Dias. “É preciso, entre outras coisas, aumentar o número de juízes.”
Fonte: Valor Econômico (Por Arthur Rosa e Luiza de Carvalho)