“I have a dream”
quarta-feira, 28/08/2013 17:06Veja os detalhes e leia a íntegra do discurso
O discurso histórico “Eu tenho um sonho” (leia-o, na íntegra), que o reverendo Martin Luther King Jr. proferiu durante a Marcha em Washington por Emprego e Liberdade em 28 de agosto de 1963, continua reverberando nos EUA e mundo afora exatos 50 anos depois. Grande parte do seu impacto, dizem analistas, deve-se ao fato de não ter sido um discurso apenas para negros, ou só para cristãos, mas para todos os americanos – e, de certa forma, para todos que buscam uma sociedade mais justa. É por isso também que, passado meio século, ele não envelheceu.
King começou o pronunciamento em ritmo lento, lendo um texto preparado com antecedência com referências à retórica igualitária da Constituição americana e à Declaração de Independência. Ao fim, falando de improviso, ele comoveu a multidão que o ouvia com uma mensagem de esperança. “Digo a vocês hoje, meus amigos, mesmo que enfrentemos dificuldades hoje e amanhã, eu ainda tenho um sonho. Um sonho profundamente enraizado no sonho americano”, declarou. No trecho espontâneo, ele também se apropriou de versos da canção nacionalista popular “My Country ‘Tis of Thee” (Meu País é de Vocês”, em tradução livre).
Em 1999, um levantamento feito por pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison com acadêmicos de renome “elegeu” o discurso de King como o mais importante do século 20. Em 2008, uma pesquisa de opinião pública nos EUA mostrou que apenas 4% dos americanos não conheciam o famoso “Eu tenho um sonho” de King, com 68% dos entrevistados o tendo apontado como relevante para sua geração.
A frase-chave do discurso ganhou o mundo e pode ser encontrada em lugares tão díspares como em murais no subúrbio de Sidney (Austrália), em placas de trem em Budapeste (Hungria), ou em cartazes do Dia da Consciência Negra em São Paulo. Durante os protestos de 1989 na Praça da Paz Celestial, China, alguns manifestantes carregaram pôsteres com a foto de King e os dizeres “Eu tenho um sonho”. No muro que separa Israel da Cisjordânia, recentemente alguém pichou “Eu tenho um sonho. E isto aqui não é parte do sonho”.
Discurso universal
Segundo o historiador Gary Yougue, autor de dois livros sobre King, a força do discurso reside na possibilidade muito ampla de interpretação, fazendo com que todos (ou quase) concordem com o que foi dito. Embora a luta pelo fim da segregação racial nos EUA tenha sido dura e polarizada, a fala do reverendo conseguiu incluir a todos.
“Mas não importa a interpretação, o discurso continua sendo a mais eloquente e poética articulação pública da vitória do movimento pelos direitos civis”, afirma Youge em seu livro “The Story Behind Martin Luther King’s Dream” (“A História por Trás do Sonho de Martin Luther King”, em tradução livre). Ele lembra que, embora o racismo ainda persista, “ninguém hoje em dia faz seriamente campanha pela volta da segregação ou abertamente lamente seu fim”.
Claro que Martin Luther King Jr. não era a única voz da luta pelo fim da segregação racial, mas simbolizou como ninguém o movimento que mudou os EUA – e, sem dúvidas, era parte central dessa luta, defende o diretor do Instituto de Pesquisa e Educação Martin Luther King Jr., na Universidade Stanford, Clayborne Carson. De acordo com Carson, o discurso em 28 de agosto de 1963 foi um dos pontos altos da onda de protestos dos negros pelos direitos civis.
“A habilidade de atrair a atenção nacional orquestrando confrontos com autoridades racistas, combinada com sua oratória, tornaram King o negro mais influente da primeira metade dos anos 1960”, opina Carson.
Após proferir o famoso discurso, King recebeu várias formas de reconhecimento público. Ele foi considerado “o homem do ano” de 1963 pela revista Time. Em dezembro de 1964, ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Com tanta notoriedade, foi alvo de escutas do FBI (polícia federal americana), para tentar encontrar fatos que manchassem sua reputação.
Depois de alguns anos, King acabou no ostracismo, mas até sua morte permaneceu comprometido com a defesa da sociedade americana por meio do ativismo não violento.
O tom conciliador, que levou King a ser marginalizado pelo movimento mais tarde, foi o grande mérito do discurso, avalia Adilson Cabral, professor de comunicação e políticas sociais na Universidade Federal Fluminense. “A grande contribuição desse discurso foi propor uma conciliação nacional que incorporasse os negros como efetivos cidadãos americanos, quando havia um clima que poderia levar a uma maior e conflitiva radicalização por parte do movimento negro”, afirmou ao iG .
“Esse discurso deu o tom do movimento ou, ao menos, possibilitou a compreensão de uma via que buscava construir, tanto no imaginário do povo negro quanto na sociedade do país, a perspectiva de uma sociedade sem diferenças no reconhecimento de suas diferenças”, diz Cabral.
Segundo o professor da UFF, o modelo proposto por King tem reflexos até hoje como matriz de construção política reivindicativa. “Não se trata de luta contra-hegemônica por outro projeto de poder, mas de incorporação de outras dimensões de modos de existir e viver em sociedade, que hoje se refletem na luta dos movimentos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trangêneros), por exemplo.”
Fonte: IG