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Custas Judiciais

segunda-feira, 04/02/2013 18:43

Preocupado em dar solução a um velho problema do Poder Judiciário, o representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Jefferson Kravchychyn espera que o projeto de revisão das custas judiciais, realizado por um grupo de trabalho que ele presidiu, se torne realidade em breve. Pronta para ser apreciada no Plenário do Conselho, a revisão das custas trará mais racionalidade para a cobrança de taxas judiciais e facilitará o acesso do cidadão comum à Justiça, com correção de graves distorções. Com uma lógica perversa, as custas praticadas no primeiro grau do Judiciário são mais caras que as do segundo grau. “É preciso procurar um princípio de Justiça na cobrança das taxas judiciárias. Pela forma que é hoje, quem pode menos paga mais”, diz Kravchychyn. Mais do que isso, o valor reduzido das custas na segunda instância ajuda a explicar porque os tribunais brasileiros estão abarrotados de processos. As disparidades das cobranças levam a Justiça a alimentar a indústria de recursos montada pelos grandes litigantes, quando deveria privilegiar causas individuais mais relevantes para a sociedade brasileira. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida pelo conselheiro.

– Como estão as negociações e as articulações para aprovação do projeto das custas judiciais? Há receptividade?

É um problema que aflige todo o povo brasileiro, porque a disparidade das custas no âmbito das Justiças Estaduais é muito grande. E essa disparidade tem de ser revista pelo poder concorrente que dispõe o Supremo Tribunal Federal de fixar a parametrização das custas judiciais. Nos estados  que têm baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), as custas são as mais altas. Nos estados com maior poder aquisitivo, ou maior IDH, essas custas são menores. Então é a penalização da pobreza.

– O senhor diria que, por essa lógica, quem ganha menos paga mais?

É preciso procurar um princípio de justiça na cobrança das taxas judiciárias. Pela forma que é hoje, quem pode menos paga mais.

– O que o projeto altera no dia a dia dos cidadãos que procuram o Judiciário?

Hoje a grande maioria dos regimentos dos tribunais são ininteligíveis, ou seja, o homem médio não tem como entender a forma por que se cobra e o que se cobra. Muitos datam de décadas e foram sendo adaptados a mudanças de moedas, enfim, às necessidades do tribunal, e hoje são uma colcha de retalhos. Então a ideia é criar um sistema que seja facilmente entendido pelo homem médio, que trabalhe com percentuais, com limites máximos e mínimos, que seja facilmente preenchido e pago pela internet, em guias eletrônicas, com cartão de crédito, enfim, com toda uma sistemática que facilite o acesso à Justiça. Que seja praticada uma justiça tributária no sentido de que todos paguem igualmente.

– Seria uma forma de padronização dos procedimentos?

É uma padronização, mas respeitando-se as particularidades de cada tribunal. Dentro do projeto, o tribunal tem um campo de atuação, mas ele não pode ultrapassar os limites mínimos e os máximos.

– Haverá, então, um parâmetro em percentuais sobre o valor da causa?

Sim. Provavelmente, seria um percentual em relação ao valor da causa. Para as causas que não têm valor, haveria algumas adaptações, de valores fixos. Mas tudo se vai olhar e se entender o que é. Hoje não se entende.

– Com o novo sistema, pode-se dizer que o cidadão terá o mesmo padrão ao pagar custas judiciais no Pará ou em Santa Catarina?

Os valores podem não ser os mesmos, mas estarão dentro de um padrão de máximo e mínimo. A regra será a mesma, os formulários terão formato similar. Será possível fazer no Pará, pela internet, e pagar as custas de um processo em Santa Catarina, coisa que hoje é praticamente inviável. Ele seguiria mais ou menos o padrão que se tem hoje na Justiça Federal e na Justiça do Trabalho, pelo qual, de qualquer lugar do País, você sabe o quanto vai pagar e como pagar.

– O objetivo é trazer mais racionalidade ao Judiciário?

O que se observa é que as custas de primeiro grau são normalmente muito caras, e as de segundo grau são muito baratas. Isso também favorece o sistema recursal, ou seja, é conveniente recorrer, até porque o custo é muito baixo. A ideia é inverter o sistema. É facilitar o acesso ao primeiro grau, o que vai valorizar a decisão dessa instância, vai fazer que as pessoas possam efetivamente não ter de buscar assistência judiciária gratuita. Hoje, as custas de primeiro grau são tão caras que as pessoas não conseguem pagar. E como o tribunal necessita desses recursos para seu próprio funcionamento, então vão se buscar esses recursos no segundo grau. Mas faríamos justiça, obedecendo a Constituição, dando um amplo acesso ao primeiro grau, que hoje é obstado. As pessoas têm de recorrer à justiça gratuita, e isso gera uma distorção. Você tem hoje indivíduos que teriam condições de pagar as custas se elas fossem razoáveis. Isso favorece o sistema recursal, fazendo que os tribunais, onde as custas são muito baratas, fiquem abarrotados de processos.

– Então o projeto vem corrigir uma distorção?

Ele vem criar justiça fiscal, vem propiciar o mais amplo acesso à Justiça e corrigir distorções que existem hoje e que criam uma série de desigualdades em um país onde todos deveriam ser tratados como iguais.

– O senhor tem expectativas de que, no campo institucional, a aprovação do projeto avance em 2013?

O trabalho é político. É do interesse do Supremo Tribunal Federal dar andamento ao projeto, no entendimento dos ministros. Depende, posteriormente, do entendimento dos nossos legisladores e do apoio a ser recebido pelos tribunais.

– Na sua visão, esse tipo de proposta terá o apoio imediato da população?

Com certeza. Ao olhar o projeto, a sociedade com certeza vai apoiá-lo. Se ele pode sofrer algum tipo de obstrução, esta virá de eventuais tribunais que se sintam prejudicados na sua arrecadação; dos grandes litigantes, que usam hoje o recurso como uma forma de não cumprir os julgados. Eles podem tentar obstruir o projeto em função de que eles se utilizam do sistema recursal para protelar a execução desses julgados, levando isso até a última instância. Então, com o aumento do valor das custas de recursos, é provável que se tenha uma reação.

– E em relação ao Poder Judiciário? Pode se esperar uma rejeição?

Também. Tem tribunais que podem se sentir prejudicados ou podem não entender o projeto. Podem ainda entender que está se ferindo a autonomia deles. Não é algo que se faça de uma forma muito fácil. Terá que ser negociado, efetivamente.

– Esse trabalho de convencimento é um papel do CNJ?

Cabe ao CNJ, conforme a Constituição, a atuação junto à administração, o planejamento estratégico, a gestão dos tribunais. Tudo isso faz parte da função do Conselho. Até porque esses valores regulados pelas custas são importantíssimos para o funcionamento dos tribunais. A forma como se vai arrecadar e gerir esses valores tem influência na otimização no funcionamento dos sistemas dos tribunais.

– A revisão das custas judiciais faz parte da reformulação do Poder Judiciário?

A experiência faz que se saia de ideias estratificadas e se passe a buscar uma sistemática que traga resultados efetivos na satisfação do que as pessoas buscam dentro do Poder Judiciário, que é o último bastião de esperança. É por isso que temos 90 milhões de processos. O Poder Judiciário funciona hoje como um desaguadouro de problemas sociais quando, na realidade, muitos desses problemas deveriam ter sido resolvidos já no Poder Executivo, como é o caso das agências reguladoras e do Ministério da Previdência, outro grande litigante. Temos de repensar o sistema para que só venham para o Poder Judiciário causas que realmente tenham importância social. O sistema judiciário passou a trabalhar com mais causas individuais, quando deveríamos ter mais causas coletivas, ou seja, hoje há uma carga muito grande de trabalho para os magistrados para decidir problemas que deveriam ser resolvidos de forma administrativa, pelo Procon, pelas agências reguladoras.

– Cabe ao CNJ fazer algo mais nesse sentido?

Ele deve repensar o sistema judicial brasileiro. É ter um projeto pelo qual o indivíduo busque realmente, quando procurar a Justiça, resolver um problema importante que tenha reflexos sociais, como o Direito de Família e o Direito Criminal. E não como hoje, em que o sistema é pautado basicamente pelos grandes fornecedores de serviços, sejam eles do governo, ou mesmo empresas privadas, que fazem que os juízes não possam se ater sobre problemas que realmente têm relevância para o indivíduo e que se refletem na sociedade, como é o caso do abandono dos menores, problemas das drogas, da  violência nas ruas, da superlotação dos presídios, da qualidade de vida das pessoas.

Agência CNJ de Notícias