Duelo na Magistratura
quinta-feira, 28/07/2011 19:01Juízes alegam que trabalham nas férias e por isso precisam de 60 dias
A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) e a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) divulgaram notas ontem (quarta-feira, 27) contra o fim das férias de 60 dias para juízes. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, em entrevista ao GLOBO, defendeu a redução do período de férias dos magistrados. As associações sustentam que ampla maioria dos magistrados se opõe à redução do descanso e alegam que esses profissionais não têm jornada fixa semanal de trabalho, que superaria 40 horas semanais, e não recebem horas extras pelo excesso de trabalho. A alteração do período de férias da categoria depende da aprovação do Congresso Nacional.
“A Associação dos Juízes Federais do Brasil discorda da posição externada pelo excelentíssimo ministro Cezar Peluso, com relação às férias dos juízes brasileiros e à revisão dos subsídios da magistratura. Com todo o respeito à Sua Excelência, os Juízes Federais entendem que a questão foi posta de uma maneira por demais simplista e destoante com o que pensa a ampla maioria dos juízes brasileiros”, diz a nota da Ajufe.
Segundo o presidente da Ajufe, Gabriel Wedy, as férias de 60 dias são um direito fundamental para os juízes porque nesse período eles analisam processos mais complexos:
— Os juízes levam trabalho para final de semana e férias. É uma realidade que se impõe porque eles têm que atingir metas de produtividade impostas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
O presidente da AMB, Nelson Calandra, disse em nota que é “justo” que os juízes gozem de dois meses de férias. Ele argumenta que os profissionais aproveitam para colocar o trabalho em dia nesse tempo.
“Juízes não têm hora para começar e terminar o trabalho. Sua jornada de trabalho é superior a 60 horas semanais, trabalham durante os finais de semana e feriados, sem qualquer compensação financeira. Na maioria das vezes, suas férias são dedicadas a colocar o trabalho em dia, de forma mais ágil já que, nesse período, não têm que fazer atendimento público nem audiências.”
A AMB diz ainda que “60 dias são uma questão de saúde ocupacional, como forma até de evitar aposentadorias por invalidez e perdas precoces de vidas em razão do esgotamento físico”.
Com relação ao horário de expediente dos juízes, a Ajufe afirma que a fixação de horários não resultará em mais produtividade. O tema foi objeto de uma resolução do CNJ, determinando que todos os órgãos que integram o Judiciário prestem atendimento ao público das 9h às 18h, de segunda a sexta-feira. A resolução foi suspensa pelo ministro do STF Luiz Fux e agora será julgada pelo plenário.
O presidente da Ajufe ponderou que, com a informatização dos processos, o juiz federal está “disponível à população 24h por dia”. Atualmente restrito apenas à Justiça Federal, Wedy defende que o sistema seja ampliado para todo o Judiciário do país.
Leia a entrevista publicada na edição de domigo (27/7) do jornal O Globo:
O Globo — Dados do governo demonstram que apenas 8% do dinheiro desviado da corrupção, nos últimos anos, voltaram para os cofres públicos. Por que é tão difícil recuperar esse dinheiro?
Cezar Peluso — Por uma série de fatores. Primeiro, há uma complexidade em apurar, fazer provas, etc. Quando as responsabilidades são fixadas, você tem que encontrar o patrimônio do responsável. E isso demanda outras investigações, porque as pessoas que fazem isso não deixam o dinheiro à mostra para todo mundo. Ou mandam para o exterior, ou põem em nome de laranjas ou usam de outros meios para esconder. É preciso novos expedientes de investigação para identificar e localizar esses bens. Muitas vezes esses bens são localizados no exterior, e aí você entra com um terceiro fator: que o país e as agências daquele país colaborem. Não é simples. Por isso é que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Recursos é uma coisa boa [propõe imediata execução das decisões judiciais de segunda instância e reduz número de recursos no STF e STJ].
O Globo — Por quê? O que muda com essa proposta do senhor?
Cezar Peluso — Há muitas pessoas que não vão hoje à Justiça porque sabem que é demorada, que tem que gastar dinheiro. Enfim, é uma desmotivação para procurar a Justiça. Segundo, como está hoje, esse excesso de processos, a coisa anda em um círculo vicioso, porque isso continua assim. Se as sentenças começarem a produzir efeito mais rapidamente, todo mundo sai ganhando. Não apenas aqueles que vão a juízo, mas aqueles que hoje não vão porque acham que não vale a pena. Esses passarão a ir a juízo, se julgarem necessário.
O Globo — O escândalo no Dnit não demonstra a necessidade de o governo começar a adotar um sistema mais técnico e menos político de preenchimento de cargos públicos?
Cezar Peluso — Esta é uma questão cuja discussão é da competência dos políticos, não é o Judiciário que vai dizer como é que os políticos têm que tratar essa questão dos cargos públicos. Mas, sem dúvida nenhuma, a gente não pode deixar de reconhecer que, teoricamente, um corpo mais estável de servidores públicos, como sucede por exemplo na França, onde eles são preparados na Escola Nacional de Administração, é muito melhor para a eficiência do Estado. Ou seja, o modelo francês de preparação dos servidores públicos — e lá eles são preparados para todas as funções do Estado, inclusive para a diplomacia —, cria um corpo estável de servidores públicos, intelectualmente muito bem preparado para operar a máquina extremamente complexa do Estado. Acho que é alguma coisa que pode ficar para a meditação dos políticos.
O Globo — O julgamento do Supremo a favor das uniões homoafetivas estimulou um debate e levantou uma polêmica na sociedade. Como o senhor analisa essa repercussão?
Cezar Peluso — A circunstância de ter havido um julgamento como este, com a publicidade e com o caráter polêmico que o tema tem, sem dúvida leva as pessoas a trazerem para a pauta da vida delas mesmas. A decisão do Supermo foi importante porque fixa a posição do Estado em relação a uma liberdade fundamental. Assim como as pessoas têm direito de expressar suas opções de ordem sexual, isso é generalizado, as pessoas têm que ter a mesma garantia de expressar suas opiniões em outros campos. Isto significa uma afirmação de uma garantia que abrange um mundo de manifestações de caráter pessoal.
O Globo — Mas isso não pode estimular conflitos?
Cezar Peluso — Acho é que isso também pode influir na cultura negativa que está por trás desses conflitos. Porque, na verdade, o que alimenta isso são preconceitos atávicos, que são tradicionais na vida brasileira, vêm de pai para filho. A decisão do Supremo ajuda a botar um pouco de ordem na percepção desses valores, e eu acredito que muitas pessoas refletindo mais calmamente vão perceber que alimentar esses preconceitos não é nada positivo, nada construtivo. Muito pelo contrário. A decisão em si não muda automaticamente as mentalidades, daí porque volta e meia aparecem casos como o desta semana que, a ser verdadeiro, é extremamente lamentável. É de uma brutalidade inconcebível em uma sociedade do século XXI. Eu tenho filhos, tenho neto, agora quando sair vou me preocupar… Isso é inconcebível (referindo-se ao episódio em que pai e filho foram confundidos com um casal homossexual e agredidos).
O Globo — Com relação à Lei da Ficha Limpa, ela será completamente aplicada em 2012?
Cezar Peluso — O Supremo decidiu, por ora, só um inciso, [o que trata] da inegibilidade. A lei tem várias hipóteses. As outras hipóteses ainda vão ser objeto de julgamento. Os interessados estão dizendo que várias hipóteses são inconstitucionais. Se o Supremo julgar e reconhecer que todas são constitucionais, então a lei será aplicada. Se os processos estiverem prontos, eu vou botar imediatamente em julgamento, para que em 2012 não haja mais dúvidas. É uma prioridade. Senão, ficam essas situações pendentes por aí, como a do Jader Barbalho.
O Globo — E o processo do mensalão, quando será julgado? Há alguma estimativa?
Cezar Peluso — Se os dois, o relator e o revisor, prepararem seus relatórios este ano, com tempo suficiente, eu ponho em julgamento ainda este ano. Este processo deve ter hoje 200 volumes. Vamos todos ler, formar o nosso conhecimento, é uma coisa complicada. Há 38 réus, cada réu tem um defensor. Cada defensor tem direito de fazer uma sustentação oral de uma hora. Provavelmente, vamos ter que ter uma semana inteirinha só de sustentações, por exemplo. Depois, temos o voto do relator, que pode ser de 300 páginas, que ele vai ter que ler. Depois o voto do revisor. E, depois, as discussões no plenário. Isso vai demandar, no mínimo, no mínimo, três semanas.
Fonte: O Globo