Entrevista
quarta-feira, 09/02/2011 20:13Presidente do Sindicato dos OJ de Portugal fala sobre o exercício da profissão em seu país
“O programa Tribuna Judiciária, produzido pela AOJESP (Associação dos Oficiais de Justiça do Estado de São Paulo), entrevistou o presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça de Portugal, Carlos Almeida (foto), para conhecer como trabalham os colegas daquele país e ouvir sua opinião sobre o Judiciário brasileiro. O português esteve em Brasília, em março de 2009, para participar das comemorações do Dia Nacional de Lutas dos Oficiais de Justiça.
O evento foi promovido pelo Congresso Nacional e pela Federação das Entidades Representativas dos Oficiais de Justiça Estaduais do Brasil (FOJEBRA), e contou com a participação da diretoria da AOJESP. Atendendo a um pedido da Entidade, o Oficial de Justiça português traçou um panorama do Judiciário europeu, e fez críticas à Justiça brasileira. Veja abaixo a íntegra da entrevista.
TJ – Como se constitui o judiciário português?
CA – O Judiciário português, nos termos da Constituição da República Portuguesa, constitui-se como Órgão de Soberania, independente dos poderes Executivos ou Legislativos. Existe um Órgão colegial, Conselho Superior da Magistratura (CSM), que, em tese, assegura este desiderato (aspiração) constitucional. Assim, cabe ao CSM, entre outras, as competências de apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar sobre os Magistrados Judiciais. Consagra ainda a CRP, assegurando a independência dos tribunais, que podem os Oficiais de Justiça estar representados nesse Órgão, com uma seção própria, para tratar de questões de disciplina e mérito, quando em causa esteja a própria classe. É importante salientar que, no final da década de 80 do século passado, existiu uma fusão entre as carreiras dos funcionários das secretarias judiciais (Oficiais de Justiça – Escrivães) e os funcionários que faziam o serviço externo (Oficiais de Diligências). Unificou-se a carreira, levando a que um Oficial de Justiça, no modelo vigente, possa “hoje” trabalhar na secretaria do tribunal e “meses depois” na realização de diligências externas. O inverso ocorre com a mesma facilidade. Este modelo parece-me mais vantajoso para a realização do funcionário e da Justiça.
TJ – Quais as funções de um Oficial de Justiça português?
CA – Com o atual modelo as funções são diversas e de enorme complexidade técnica, destacando: dirigir os serviços da secretaria judicial; distribuir, controlar e realizar o serviço externo (Mandados, despejos, citações, arresto, arrolamentos, e dezenas de outros atos); proferir despachos de mero expediente, por delegação do respectivo Magistrado; assistir as sessões do tribunal e redigir as respectivas atas; escriturar as receitas e despesas do Cofre; preparar e apresentar ao Magistrado os processos e papéis para distribuição; fazer termos e cumprir os respetivos despachos.
TJ – Em quais condições é realizado o trabalho do Oficial? Vocês diligenciam de carro?
CA – Julgo que a pergunta se refere estritamente ao serviço externo. Nessas condições seria desejável que o serviço fosse feito com recurso a viatura do Estado, mas a verdade é que o Estado se limita a assegurar o pagamento do transporte público a todos os Oficiais de Justiça. Em determinados tribunais é atribuído um valor, correspondente aos quilómetros feitos. Essa verba entra em regra de custas, pago pelas partes, e, é adiantado pelo Tribunal.
TJ – O Estado oferece um carro para os Oficiais trabalhar? Possuem sala de trabalho?
CA – Como já referi não é colocado à disposição dos Oficiais de Justiça qualquer viatura para realização do serviço. Sobre a questão da sala devo referir que, obviamente, temos salas de trabalho. E refiro, obviamente, porque não imagino que possa haver, em qualquer país minimamente desenvolvido, Oficiais de Justiça a trabalhar, sem no mínimo, uma sala.
TJ – Como é feita a remuneração dos Oficiais de Justiça em Portugal?
CA – A remuneração está muito abaixo das exigências feitas à classe. Posso aliás afirmar que, no espaço da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), os Oficiais de Justiça são muito mal remunerados. Situação inversa ocorre na generalidade dos países da Europa, onde o crescimento civilizacional, leva ao reconhecimento do trabalho. Estou ciente que, cada vez mais, a diferença entre países de desenvolvimento sustentado e, os outros, se afere pela forma como reconhecem o trabalho.
TJ – Quais os maiores inconvenientes do trabalho do Oficial de Justiça?
CA – Diria que, no caso português, mais do que inconvenientes, se trata da falta de condições. Por exemplo secretarias judiciais sem condições de salubridade; aumento substância da carga de trabalho, associada a um decréscimo dos quadros; obrigatoriedade de férias em período determinado por Lei; falta de formação contínua; a deterioração dos serviços de assistência médica, um sistema de aposentadoria que não faz o reconhecimento da nossa disponibilidade, entre outros.
TJ – Há relatos de violência contra Oficiais de Justiça em Portugal?
CA – A situação em Portugal não é comparável ao Brasil. Há registos de algumas situações de agressões, mas não temos registo de perdas de vidas humanas. Se me permite direi mesmo que, é inaceitável que o poder político no Brasil, permita que continuem a morrer Oficiais de Justiça, no cumprimento da sua missão.
TJ – Como você vê o judiciário em âmbito europeu? Poderia nos informar sobre o trabalho dos Oficiais de Justiça de outros paises do antigo continente?
CA – O modelo do judiciário europeu é semelhante ao português, fruto de princípios constitucionais europeus. O modelo da carreira é também semelhante ao de Portugal mas na França ou Alemanha, têm mais poderes no âmbito do processo. A grande diferença é que a carreira do Oficial de Justiça na Europa (exceptuando Portugal) é reconhecida e altamente dignificada.
TJ – Em sua opinião, como a Europa enxerga o Brasil e o judiciário brasileiro?
CA – Só poderei dar a minha modesta opinião e nestes termos, é minha convicção que o poder dos juízes é um outro poder dentro do judiciário brasileiro. Penso que situações como as que se verificaram no Fórum João Mendes, e que condenámos junto ao Senhor Embaixador do Brasil, em Portugal, fragilizam a imagem do Brasil e da Justiça brasileira. Há também uma imagem externa de situações de injustiça ou parcialidade. Mas a verdade é que essas, existem um pouco por todo o mundo. O que para mim sobressai no Brasil é o sentimento de impunidade por parte das mais altas instâncias judiciárias.
TJ – Como é a relação entre Magistrados e servidores do Judiciário, especialmente, em relação aos Oficiais de Justiça?
CA – A relação que se estabelece é uma relação normal e de respeito mútuo. Temos um mesmo objeto, que é a realização da justiça. Acresce que as funções e responsabilidades de cada um estão bem definidas.
TJ – Qual sua opinião sobre a função e os direitos dos Oficiais de Justiça em Portugal e no Brasil?
CA – Há uma diferenciação no trabalho desenvolvido por uns e outros, como já referi. Mas quero salientar um aspecto bastante negativo no contexto português e, se na verdade é mau para os nossos concidadãos, seria péssimo, no estado atual, para os cidadãos brasileiros. Refiro-me à desjudicialização da Justiça. Posso dizer que, hoje em Portugal, há profissionais liberais (Solicitadores e Advogados) a desempenharem algumas das funções dos Oficial de Justiça. Cumprir Mandados de Citação, Despejos, Penhoras e muitos outros, já não são exclusividade do Oficial de Justiça. Funções que deveriam ser públicas foram privatizadas e a Justiça ficou ao serviço do poder econômico. Hoje o poder político assume o erro, mas não há coragem de inverter esta realidade. Em relação aos direitos, penso que o primeiro passo para se atingir qualquer direito, é fazermos o reconhecimento do trabalho e lutar pela dignificação da carreira. Isso infelizmente ainda não foi conseguido.
TJ – Comente sua visita ao Brasil e suas impressões.
CA – A minha visita ao Brasil deveu-se a um convite do Senado do Brasil e da FOJEBRA que muito me honrou, para participar numa discussão pública sobre a carreira dos Oficiais de Justiça. As impressões que colhi dessa experiência é que, e sem querer ferir susceptibilidades, diria que existem políticos empenhados em mudar a face da Justiça do Brasil, como por exemplo os Senhores: Senador Federal Paulo Paím e Deputado Federal Márcio França. Mas, existem muitos mais, que pretendem manter tudo na mesma. “Brasília” pareceu-me um “Estado” sem alma e muito longe do povo. A título de exemplo, refiro que, quase dois anos após essa visita, ainda hoje não consigo entender porque razão o poder político continua a permitir a morte de Oficiais de Justiça. A simples omissão de legislar sobre o porte de arma, torna o poder político cúmplice no assassinato desses Oficiais de Justiça. Destacaria como bastante positiva a capacidade dos líderes sindicais do Brasil. Encontrei no país uma classe de líderes sindicais como nunca havia visto. O seu sentido de responsabilidade social e a consciência em servir os seus representados é algo que não posso deixar de salientar. Acredito firmemente que a Justiça brasileira vai ser o maior impulsionador para o desenvolvimento sustentado do Brasil. E aí, não me restam dúvidas, que personalidades como a Yvone Barreiros (AOJESP), Paulo Sérgio (ABOJERIS), Cláudio Abreu (SINDOJUS-MG) ou Joel Moura (SINDJUD-PE) estarão na primeira linha de um combate que vão vencer.”
Fonte: AOJESP