Geral

Vandalismo

quarta-feira, 13/07/2011 18:18

Reportagem do Estado de Minas mostra ação sem controle dos “flanelinhas” nas ruas da Capital

Mais uma importante reportagem do jornal Estado de Minas mostra que os flanelinhas, apesar da proibição prevista no Código de Posturas do município, continuam agindo livremente nas ruas de Belo Horizonte, sem qualquer resistência das autoridades e da polícia, extorquindo ou depredando os carros de motoristas que se recusam a lhes pagar para estacionarem nas vias públicas da cidade. O SINDOJUS/MG convida o internauta a ler não só esta reportagem, mas também outra matéria a respeito do assunto publicada no próprio Estado de Minas, em 23/03/11 (aqui), e outras mais que relatam as denúncias do SINDOJUS/MG e pedido de providências contra flanelinhas que depredam carros de oficiais de justiça nas imediações do Fórum Lafayette (aqui) , em 18/10/10, e resposta da Promotoria Pública a respeito (aqui), em 03/12/10.

Íntegra da reportagem na edição desta quarta-feira, 13/07, do jornal Estado de Minas:

“FLANELINHAS – Vale a lei da rua

Eles não deixaram de ser os donos da rua. Pelo contrário. Apesar da expectativa de que as restrições do novo Código de Posturas de Belo Horizonte colocariam freio na ousadia dos flanelinhas, quase um ano depois da regulamentação da nova lei a constatação é de que eles não se intimidaram, lotearam alguns dos principais pontos do Centro da capital e até tabelaram a cobrança. Os cerca de 4,5 mil flanelinhas na cidade, 3 mil clandestinos, continuam desafiando a lei, revisada em 2010. Mais: os coletes de identificação, que chegaram a ser apontados como frágil maneira de diferenciar clandestinos dos ilegais, não são mais fornecidos, por um desentendimento entre a prefeitura e a entidade que diz representar o setor.

Em diferentes pontos da capital, o trocado para o café já tem preço de tabela: o valor pode chegar a R$ 10 ou ser convertido em dano ao carro, para quem se recusa a pagar. As tentativas de combater os achaques são ironizadas. Um clandestino que já foi preso duas vezes se gaba ao dizer que em ambas “voltou no mesmo dia” para a rua.

Segundo a prefeitura, a fiscalização não foi abandonada: de setembro de 2010 até o dia 8, foram 127 operações de fiscalização na Região Centro-Sul, principal alvo dos guardadores, feitas entre a Polícia Militar e agentes municipais. Nessas ações, 332 guardadores ilegais foram detidos. Apesar de o Código de Posturas prever multa de R$ 1,5 mil para aqueles que praticam a atividade ilegalmente no perímetro da Avenida do Contorno e de R$ 500 para os demais, o município não sabe informar quantos dos detidos pagaram o valor.

Há oito anos trabalhando na Região Hospitalar da cidade, o taxista J.C.F., que pede para ter o nome preservado por medo de represálias, conta que há cerca de um ano a atividade dos guardadores na área saiu do limite do bom senso. “A coisa está a cada dia pior. Eles tomaram conta de tudo. E não só cobram dos motoristas, mas fizeram daqui um ponto de drogas”, comenta. O motorista denuncia que muitos convertem o dinheiro que ganham – e não é pouco – em cocaína. “Cheiram pó o dia inteiro. Vendem folha de rotativo a R$ 5 e quem não compra está se arriscando a ter o carro arranhado. Eles ganham bem aqui, tanto é que, depois do ‘expediente’, voltam para casa de táxi”, conta, revoltado.

Ontem, o Estado de Minas percorreu várias vias da Região Centro-Sul, onde a atividade ilegal é mais frequente e também onde deveria render multas mais caras. Na Rua dos Tupis, quatro homens tomam conta do quarteirão entre as ruas da Bahia e Espírito Santo. Um deles, mesmo com o crachá de credenciado, revela o esquema a um motorista: “Você deixa seu carro e R$ 12 por dia para eu trocar o rotativo. Se a PM passar, eu troco; se não, você perde a grana. É melhor do que estacionamento”. Na Tamóios, bem em frente à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, eles também comandam o esquema. A ousadia é tão grande que eles se divertem ao perceber que são fotografados.

Mas os ilegais também metem medo. Na Rua dos Otoni, na Região Hospitalar, entre a Rua Ceará e a Avenida do Brasil, a equipe do EM foi ameaçada por um flanelinha que toma conta da rua sozinho, por ser considerado perigoso. Cheirando tíner, ele aborda motoristas na base da intimidação. Com ele, outros também inalam a droga à luz do dia e bem à vista de um guarda municipal. Embora não tome nenhuma providência contra o achacador, o agente ameaça multar o carro da reportagem parado em um posto desativado. Questionado, diz desconhecer flanelinhas ilegais na região e filosofa ao afirmar que o tíner é um problema social.

Cenas dos próximos capítulos

Os atritos de motoristas com flanelinhas nas ruas de Belo Horizonte são marcados por uma novela de esperanças frustradas. Desde 9 de abril do ano passado, quando entrou em vigor o novo Código de Posturas de Belo Horizonte, o Estado de Minas vem acompanhando a expectativa de que as mudanças na legislação municipal conseguissem conter a ação dos guardadores. Motoristas que apostavam na política de fiscalização mais intensa tiveram que aguardar até que o assunto fosse regulamentado, o que ocorreu em agosto.

Tiveram o primeiro sinal de que a batalha seria perdida com a constatação de que as alterações na lei toleravam os guardadores “legalizados”. Estes, com apenas uma autorização do poder público e um colete “à prova de fiscalização”, ganhavam permissão para continuar cobrando dos motoristas pelo uso do espaço das ruas, público em tese.

Restava a esperança de que um cerco aos guardadores clandestinos, que são maioria na cidade, reduzisse as frequentes queixas de achaques e ameaças, deixando-as restritas a poucos “maus profissionais”. Porém, dois meses depois da regulamentação do Código, no fim de setembro, o EM informava que nenhuma multa, uma das armas para combater os irregulares, havia sido aplicada na Região Centro-Sul da cidade, a mais vulnerável nesse aspecto.

Em março deste ano, nova reportagem mostrava que decisão do juiz Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, da Turma Recursal Criminal de BH, determinava que a profissão de lavador e guardador de carro poderia ser exercida apenas por profissionais devidamente registrados na Delegacia Regional do Trabalho, a atual Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), e em locais previamente delimitados pelo município. Os infratores estariam sujeitos a pena de 15 dias a três meses de prisão ou multa.

Era uma nova esperança de combate à clandestinidade. Porém, a constatação de que flanelinhas irregulares seguem atuando diante da própria sede da Superintendência do Trabalho, no Centro de BH, diminui as esperanças dos motoristas de um dia ver respeitado seu direito de ir e vir pela capital sem pagar por isso.

Queixas até dos flanelinhas

A sensação de que todos os ventos sopram a favor da ilegalidade dos flanelinhas em Belo Horizonte não é só dos motoristas. A própria “categoria” alega que mais guardadores de carro não licenciados estão atuando na capital. O Sindicato dos Trabalhadores, Lavadores, Guardadores, Manobristas e Operadores de Automóveis Autônomos em Estacionamentos Particulares e Lavajatos de Minas Gerais (Sintralamac), reclama que há mais de um ano o município não credencia flanelinhas. Além disso, um dos símbolos do cadastro, o colete, que ajudava o condutor a diferenciar pelo menos quem agia com permissão oficial, não é mais distribuído pela prefeitura, que alega não ser essa sua função.

“Quem paga o pato é o próprio guardador cadastrado, pois ele pensa: cadastrar para que, se estão todos de volta à rua sem nenhum problema?”, questiona Martim dos Santos, presidente da Sintralamac. A Regional Centro-Sul informa que os cadastrados têm crachá e que os coletes são de responsabilidade do sindicato. A regional também informou que há um ano não faz cadastros por falta de demanda.

S.S., de 24 anos, atua há cinco anos como flanelinha na região hospitalar da capital. Há três anos é cadastrado pela PBH, mas está desanimado com a pressão dos clandestinos, que, segundo ele, chegam com violência e querem tomar o ponto à força.
Ganhando em média R$ 100 por dia, ele diz que “as portas estão abertas para quem quiser ocupar os quarteirões”. Segundo ele, moradores de rua estão “tomando conta” e ameaçando os motoristas. “Há infratores e usuários de drogas fazendo o mesmo, o que prejudica quem está aqui para sustentar a família”, critica.

Há oito anos atuando como guardador de carros no Bairro Funcionários, A.D. não gosta de usar o crachá da PBH, apesar de ser cadastrado, mas não sabe explicar o motivo. Diz que a falta de vagas de estacionamento na cidade tem impulsionado a ocupação. “Tem mais carros nas ruas e menos lugares para parar. Os ilegais ficam de olho”, adverte.

Nesse clima, motoristas se dizem reféns do medo. O advogado Rogério Senna destaca que a abordagem já mudou. “Antes era um cafezinho, mas agora é R$ 5, R$ 10. Eles estipularam o valor. O poder público tinha que parar de se preocupar só em multar e abrir os olhos para essa realidade, ter uma ação efetiva contra isso.” O engenheiro civil Gleidson Luiz Lopes da Silva já teve o pneu do carro esvaziado e um dos faróis quebrados por flanelinhas. “Está ficando pior”, constata.

Na Savassi, o medo de motoristas é constante. Morian Faria, fisioterapeuta e comerciante da região, se sente ameaçada. “Eles te obrigam a comprar a folha de estacionamento e é um perigo contrariá-los, pois não há fiscalização. Como paro todos os dias, a gente acaba se rendendo, por medo. Com mulheres é ainda pior. Estão protegendo nossos carros de quem?”

Entrevista

O.S.D. – Flanelinha clandestino
“Isso está aumentando e ficando perigoso”

Há 16 anos trabalhando como guardador de carros na Rua dos Otoni, na Região Hospitalar, O.S.D. não está cadastrado pela prefeitura e, por esse motivo, já foi levado duas vezes pela Polícia Militar. Fiscalização que, para ele, não passa de “perda de tempo” e de dinheiro. Chegando a contabilizar cerca de R$ 100 por dia com o trabalho, ele não pensa em largar a profissão tão cedo.

Você já foi detido por atuar na rua ilegalmente. Como foi essa prisão?
É uma verdadeira perda de tempo. A polícia não faz nada e os fiscais, também não. Você vai para a delegacia, fica sentado e depois, no mesmo dia, é liberado. Já fui detido duas vezes e voltei no mesmo dia. O que eu perdi com isso? O dinheiro do meu trabalho, porque tem um cliente para pagar a cada minuto.

E a multa de R$ 1,5 mil, você chegou a pagar?

Multa? Não falaram nada disso. A fiscalização é um zero à esquerda. No meu caso, foi tudo arquivado. Eles já me conhecem. Sou antigo aqui e, muitas vezes, fico com a chave dos clientes.

Mas você pretende se cadastrar para entrar na legalidade?
A prefeitura não está legalizando ninguém. Em uma das minhas prisões, o delegado chegou até a me sugerir fazermos uma greve na cidade, para abrir o cadastro de novo. O grande problema são outros guardadores que estão chegando e pegando nosso espaço. Isso está aumentando e ficando perigoso.”